E-mail ao Padre Léo 16



Olá, pai querido,

De: o mais gentil dos Josés
Assunto: uma lição de acolhimento
Para: padreleo@ceuhotmail.com

Olá, pai querido,
Hoje, veio à minha memória uma das mais sublimes recordações que eu tenho do senhor, e esse E-mail é apenas um relato daquilo que tive a graça de presenciar e que me ajudou muito a confirmar a minha vocação de Consagrado de Bethânia.
O senhor vai recordar comigo porque estávamos almoçando em São João Batista, e como era uma sexta-feira véspera de retiro não estávamos almoçando no refeitório, mas na varanda do complexo de apoio que fica no lado oposto ao refeitório (isso acontecia e ainda acontece porque o refeitório fica organizado para os retirantes e durante todo o retiro nós usamos aquele outro espaço para as refeições).
Pois muito bem, naquele almoço eu estava sentado à sua mesa bem de frente para o senhor (era uma raridade isso acontecer porque todos queriam ter a graça de sentar-se à mesa com o senhor, e terminava ficando muito concorrido), conversa vai, conversa vem, quando mais ou menos bem no meio do almoço apareceu de repente um filho de Bethânia que tinha saído já há alguns meses e tinha recaído, e... Antes mesmo de ele aparecer, fomos anunciados da sua presença pelo cheiro insuportável de “bebida vencida” que chegou primeiro (lembrei então, que o senhor nos dizia muitas vezes que o pecado fede).
Aquele jovem chegou, e como se já soubesse onde o senhor estava foi direto para a nossa mesa visivelmente envergonhado, com certeza porque estava muito sujo, com o cabelo grande e desgrenhado, barbudo e banguela. Recordo pai querido, que se fez um silêncio total naquele espaço, até porque todos queriam acompanhar o desfecho da história.
Ah! Que cena mais comovente pai querido (essas coisas só podem acontecer mesmo em Bethânia), porque aquele jovem, mesmo envergonhado era também bastante destemido, e com muita desenvoltura e confiança disse simplesmente olhando bem nos seus olhões azuis; “pai... Voltei pai”.
Meu Deus!... Os minutos seguintes demoraram a passar, sabe pai? Porque os seus olhões... Ah! Os seus olhões foram passando de uma expressão à outra em questão de segundos. Primeiro pude observar no seu semblante uma expressão quase grave, de surpresa mesmo, que aos poucos foi se diluindo até se transformar em um largo sorriso que encheu todo o seu semblante, que ganharam como que num passe de mágica as feições de um menino.
Esse seu lindo sorriso jovial, pai querido, foi acompanhado de um movimento repentino de levantar-se, sim, o senhor levantou-se da mesa imediatamente e a impressão que tivemos, foi de que nada mais existia para o senhor naquele momento, ou, que nada mais tinha valor para o senhor naquele momento, toda a sua atenção, todo o seu ser, até a última molécula que compunha o seu corpo estava voltado para aquele jovem, naquele momento. E foi por isso que os seus braços se abriram, para encontrar-se com aqueles outros braços em um abraço quase que eterno... E que abarcou o mundo todo.
Não lembro ter ouvido o senhor dizer nada, só depois, muito depois entre um soluço e outro daquele jovem emocionado totalmente envolvido pelos seus braços protetores de pai, é que ouvi a sua voz paterna e tremula por causa da emoção, balbuciar baixinho para aquele menino: “seja bem vindo à sua casa, meu filho... Dessa vez vai dar certo”.
Depois daquele efusivo abraço o senhor limpou os olhos e pediu para arrumarem um lugar na mesa para aquele jovem.
Sabe pai querido?... Aquele “dessa vez vai dar certo” emocionado que o senhor pronunciou abraçado àquele menino, me chamou muito a atenção. Perguntei-me muitas vezes pelo sentido daquela frase dita exatamente naquele momento e a resposta veio depois, quando eu soube um pouco da história dele.
É que, aquele “menino” era um paradigma perfeito do filho de Bethânia, desacreditado por todos e por ele mesmo, aquele era o seu décimo primeiro retorno à Comunidade depois das várias tentativas de ressocialização.
Pai querido! “Décimo primeiro retorno” significa que aquele jovem tinha saído e retornado à Comunidade onze vezes, uma quantia considerável de recaídas, decepções, e quebras de expectativas.
A sociedade já tinha decretado muitas vezes que ele não tinha mais jeito, a família com toda certeza já tinha se cansado, e o que é pior... Ele mesmo já tinha se desacreditado, no seu inconsciente, não havia mais nenhuma possibilidade de mudança.
Pois desafiando todo esse quadro, pela décima primeira vez o senhor acolhia aquele menino e num emocionado abraço dizia novamente com toda força do seu coração, que “dessa vez iria dar certo”.
Isso é o que eu chamo de acreditar no homem, e... Ao lembrar isso pai querido, não dá mesmo vontade de chorar?...
Estou com saudades, viu?

jpiresbethania@hotmail.com

José Gentil Pires é consagrado da Comunidade Bethânia e escritor, autor de "O Anjo do Celeiro"

(Texto publicado originalmente hoje no site da Comunidade Bethânia)

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2 comentários:

  1. Olá, o mais gentil dos Josés!

    Não há como não se emocionar, e não chorar com esse e-mail, pois o Senhor fala do acolhimento, que é o principal carisma da Comunidade Bethânia.

    Padre Léo pregava o que vivia. Em uma de suas pregações ele nos disse que seu coração se enchia de alegria quando um filho(a) retornava à Bethânia, não porque recaiu, mas porque voltou para a sua casa, porque sabia que ali encontraria abrigo e proteção.

    Agora os braços do padre Léo são seus braços e de todos os consagrados de Bethânia, para abraçar a todos os que chegam, e mais ainda, os recaídos.

    Fique na Paz do Cristo Ressuscitado!

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  2. Sempre me emociono com essas cartas que o José escreve para o Padre Léo.
    Parabéns.
    Aline da Silveira Gonçalves.
    Campos-RJ

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